O fim da linha…

ou a última oportunidade para o Alentejo e todo o interior?

Durante as últimas semana vieram a público diversas notícias a reportar o que muitos Bejenses temiam. A deterioração das condições no transporte de passageiros no troço Casa Branca – Beja devido ao uso de material circulante com mais de 50 anos, parece ter justificado a opção da CP na supressão de horários que passaram a ser assegurados por autocarros fretados a uma outra empresa de transportes, sem aviso prévio aos seus utentes.

Para além dos horários suprimidos, os mesmos autocarros continuam a surpreender os utentes e a ser usados noutros horários, sempre que o material circulante avaria. E não são poucas as vezes que tal sucede. A questão é que os autocarros não contribuem para a pontualidade de quem pretendia fazer uso de um serviço o qual deveria ter uma qualidade equiparada a um Intercidades, mas não o é porque a CP se desculpa afirmando que não coloca outro Material Circulante porque o troço de linha Casa Branca – Beja não está electrificado, passando a responsabilidade para a Infraestruturas de Portugal, SA (antiga REFER), entidade que por sua vez gere a rede ferroviária e rodoviária nacional. Esta última defende-se afirmando que este troço de pouco mais de 60 km não é prioridade para o Governo, que já tem em marcha um ambicioso Plano de Investimentos em Infraestruturas Ferrovia 2020, o qual se estima em cerca de 2.700.000.000 € (coloco em numerário para se entender bem a dimensão deste valor) – 2.7 mil milhões de euros.

Antes de continuar, julgo essencial abordar 3 assuntos:

  • A evolução da Ferrovia e da Rodovia no Território Nacional e a ligação à rede Europeia
  • A Região Alentejo
  • O Ordenamento do Território e a Ferrovia

 

A evolução da Ferrovia e da Rodovia no Território Nacional e a ligação à rede Europeia

É necessário recuar aos anos áureos da Ferrovia para compreendermos o impacto de todo o retrocesso que aconteceu, fundamentalmente durante os últimos 40 anos.

Mapa da rede ferroviária em 1985

Neste mapa, podemos observar uma rede equilibrada e que visava o facilitar o acesso à Ferrovia por todo o território.

Seriam os responsáveis por este grande plano ferroviário visionários?

Estamos a falar de uma época em que a maioria dos Portuguese se deslocava em animais, de carroça ou a pé. A Ferrovia era forma mais cómoda e rápida para grandes deslocações.

Este é o mapa da atual rede Ferroviária:

O que é de tão significativo aconteceu em Portugal entre 1895 e 2017 para justificar esta rede completamente desajustada e desequilibrada e que define o pobre serviço em Portugal, de um dos transportes públicos de eleição no resto da Europa?

A resposta é bastante fácil. A entrada na União Europeia e o nosso fascínio pelas Autoestradas.

Entre 1985 e 2015 passamos de 167 Km de Autoestradas para cerca de 3100 Km. Enquanto esventrávamos serras e montes para aumentar a rede de Autoestradas, estações Ferroviárias e muitos troços que quebravam assimetrias no nosso País foram encerrados.

Esta política de investimento em Autoestradas motivou os Portugueses a adquirir mais e melhores automóveis o que assegurou grandes receitas em termos de impostos, pois Portugal lidera a tabela da União Europeia no Imposto Automóvel.

Quanto maior for o número de carros novos vendidos, maior será a receita em Impostos.

Mapa Rede Ferroviária da Europa
Fonte: openrailwaymap.org

Percebemos que toda a Europa é servida por uma rede bem distribuída e que a Alta Velocidade é uma realidade (linha a vermelho).

Através do enquadramento de Portugal neste mapa, podemos verificar como a nossa rede é bastante fraca (comparável até ao Norte de África), que apenas beneficia o eixo litoral e que existe um grande vazio no Alentejo – Algarve, Extremadura – Andaluzia, pois são áreas da Península Ibérica que não gozam de qualquer ligação ferroviária entre os dois países.

Mapa Rede Rodoviária da Europa
Fonte: Highway Access in Europe – ESRI

Voltamos a ver uma malha bem definida e novamente um grande vazio entre o Alentejo e a Extremadura – Andaluzia.

Aumentando o zoom:

Fonte: Highway Access in Europe – ESRI

Este mapa para além da visualização da distribuição da rede de autoestradas, também nos proporciona a análise ao Acesso à Autoestrada, ou de outra forma a Área de Influência, de acordo com a seguinte legenda:

Como é possível depreender, a influência da Autoestrada no território afecto ao Distrito de Beja é residual. É apenas uma ponte entre Lisboa e o Algarve.

Já o mesmo não podemos dizer do Distrito de Évora, pois a Autoestrada assume uma importância crítica pela forma como atravessa distrito e por estabelecer a principal ligação entre as Capitais da Península Ibérica.

A Região Alentejo

Poderá constituir uma novidade para muitos, mas desde 2015, para efeitos de candidaturas e estatística, a região a que se dá o nome de Alentejo (NUTS II) divide-se em 5 sub-regiões, compreendendo 58 municípios e cerca de 400 freguesias.

São as 5 sub-regiões:

  • Alto Alentejo – 118 352 habitantes (6 230 km²)
  • Alentejo Central – 166 706 habitantes (7 393 km²)
  • Alentejo Litoral – 100 895 habitantes (5 308,11 km²)
  • Baixo Alentejo – 126 692 habitantes (8 505 km²)
  • Lezíria do Tejo – 247 453 habitantes (4 275 km²)
Fonte: Pordata

O que são NUTS? (clicar para saber mais)

O Ordenamento do Território e a Ferrovia

Toda a Política de Ordenamento do Território está enquadrada na Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo – Lei n.º 31/2014 de 30 de Maio (pode consultar clicando aqui)

A nível nacional temos o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT) [Que de momento se encontra em revisão!] – que é um instrumento de desenvolvimento territorial de natureza estratégica que estabelece as Grandes Opções com relevância para a organização do território nacional. – Lei n.º 58/2007 de 4 de Setembro (pode consultar clicando aqui)

A nível Regional temos o Plano Regional de Ordenamento do Território do Alentejo (PROTA) estabelece as opções para a Região, obedecendo a todas as estratégias definidas pelo PNPOT. –  Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2010 e publicado em Diário da República, 1.ª série — N.º 148 — 2 de Agosto de 2010 (pode consultar clicando aqui)

Analisando o PROTA, podemos encontrar o seguinte:

“218 — A administração pública central e local deve:

a) Promover a articulação entre o modo ferroviário e os restantes modos de transporte e afirmar as vantagens ambientais do transporte ferroviário;

b) Equacionar soluções que evitem, tanto quanto possível, a desactivação das linhas da Rede Secundária e assegurar a preservação dos espaços -canal.”

e ainda podemos ler no final da página 3004:

“No que se refere à rede ferroviária há igualmente a considerar um primeiro nível de âmbito nacional/europeu, onde assume importância fundamental a linha mista de alta velocidade que permitirá, a ligação de Lisboa a Madrid (com estações em Évora e Caia/Badajoz) e, em fase posterior, após 2015, a ligação a Faro e a Huelva/Sevilha (com estação em Beja). A linha convencional de mercadorias Sines -Évora -Elvas/Caia integra também este primeiro nível, sendo reconhecidamente vital para a ligação do Porto de Sines a Espanha e para a afirmação da sua competitividade à escala ibérica e europeia. Incluem -se ainda neste nível nacional/europeu o troço da Linha do Alentejo entre o Pinhal Novo e Casa Branca e a Linha do Sul.

O segundo nível da rede ferroviária, de importância regional, é constituído pelo troço da Linha do Alentejo Casa Branca -Beja -Funcheira com funções de articulação territorial do Baixo Alentejo e de interligação com o corredor Lisboa -Madrid e com o Algarve, permitindo também a conexão entre o Aeroporto de Beja e as plataformas logísticas do Poceirão e de Tunes, e pela Linha do Leste, a qual deverá assegurar um adequado grau de conectividade entre a plataforma logística de Elvas/Caia e a Região Centro e melhorar a coesão territorial do Norte alentejano, articulando eficazmente os seus principais centros urbanos (Elvas, Portalegre e Ponte de Sor,) e ligando -os também a Abrantes e a outros centros urbanos servidos pela Linha da Beira Baixa.”

É com base nestes Planos que a Infraestruturas de Portugal, SA e o próprio Governo admitem não ter prioridade na eletrificação do troço de Linha Casa Branca – Beja, pois este foi definido em 2010 como LINHA SECUNDÁRIA.

Em breve (após conclusão da revisão e aprovação do PNPOT) o Plano Regional de Ordenamento do Território do Alentejo será alvo de uma revisão e nessa altura o acompanhamento da revisão deverá merecer atenção redobrada por forma a evitar erros cometidos no passado.

 

Voltando ao início…

Em síntese este é o Plano de Investimentos em Infraestruturas Ferrovia 2020 apresentado pelo Vice Presidente da Infraestruturas de Portugal a 21 de Junho de 2017 na Conferência Distribuição & Logística que teve lugar Guarda.

Fonte: 4º Slide da Apresentação assinada pelo Vice Presidente da Infraestruturas de Portugal, SA. – Carlos Fernandes

(Quem pretender, pode descarregar a apresentação aqui)

Atendendo ao montante total do investimento (2.7 mil milhões), a não eletrificação do troço Casa Branca – Beja (com um custo estimado de cerca de 20 milhões de euros), é meramente uma decisão política, pois o custo da eletrificação não tem qualquer expressão no montante total. Estamos a falar de menos de 1% do montante total previsto para o Plano de Investimentos em Infraestruturas Ferrovia 2020, que já se encontra em execução!

Autor(a): Luís Palminha

Humanista, Criativo, apaixonado pela 7ª Arte, Fotografia e Arquitectura, é também entusiasta das IT’s. Durante a Licenciatura em Arquitectura de Gestão Urbanística, encontrou nas Cidades e no Território, um novo ímpeto guiado pelo constante desafio de mudanças de paradigmas.
(De momento encontra-se a concluir a Tese de Mestrado em Urbanismo)

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