Beja e as expectativas dos Bejenses – 2ª parte

Património

Qual foi o último executivo que passou pelos Paços do Concelho que realmente abraçou o Património como um todo? Ou que o tenha valorizado como um todo?

Beja possui um vasto património e a maior parte deste tem vindo a ser ignorado. Quando foi a última vez que visitaram o Museu Regional?

Fiz recentemente uma visita e posso adiantar que fiquei chocado com o avançado estado de degradação em que se encontra grande parte do espólio do Museu. O Museu foi literalmente “largado aos bichos” da madeira. A talha dourada está praticamente toda consumida e irá necessitar de um grande trabalho de restauro.

Aquilo a que chamamos Museu é hoje um Convento velho a gritar por obras de restauro profundo, reconversão e ampliação, em que as peças se vão dispondo dentro das possibilidades, com zonas fechadas por motivos de degradação do edificado.

Tendo em conta a dimensão e a diversidade do Património que Beja tem, não seria de todo útil que a Câmara tivesse uma equipa de restauro? Ou o Museu Regional? Equipa que poderia posteriormente fornecer e prestar serviços aos restantes municípios?

Já aqui tive oportunidade de criticar o modelo de gestão da Villa de Pisões. A necessidade de ser Évora a gerir o Património de Beja. Tenho todos os motivos enquanto Bejense, para rejeitar este modelo e para acreditar que Beja é capaz de gerir o seu próprio Património.

Mas Pisões não é a única Villa Romana no Concelho. Conheço pelo menos mais uma, de grande beleza, embora muito mais pequena a qual desde que tenho memória, nunca foi conservada ou sequer integrou os roteiros turísticos. A pequena Villa que fica hoje no interior do Olival da Fonte dos Frades (propriedade da empresa de capitais espanhóis De Prado Portugal S. A.). Qual o futuro para este pequeno diamante? Permanecer no esquecimento?

Beja merece um roteiro detalhado com todo o Património e todo o nosso património merece muito mais atenção. Um Património cuidado é uma carta postal muito forte em termos turísticos.

Já quase me esquecia.

E o nosso património imaterial? Juntamente com o Cante, o nosso património Agrícola? As nossas raízes?

Terá a atual Beja “cosmopolita” vergonha da sua herança Agrícola? Porque é que não existe um Museu onde possamos mostrar todo o nosso passado ligado à Agricultura? Onde é que se pode ver uma recriação do trabalho no campo acompanhado do cante tradicional? Onde é que se podem ver os arados, as carroças, os burros a passar a eira? O trigo e a cevada a serem moídos no moinho de vento? As Padeiras a amassarem o pão em fornos de lenha?

Não faz tudo isto parte do nosso património? Talvez até hoje ninguém tenha pensado nisso. Afinal, Beja até hoje nada fez para requalificar e dignificar os seus Moinhos de Ventos que permanecem voltados ao esquecimento.

É fundamental salvaguardar, preservar e partilhar a nossa História, a nossa identidade.

O Turista hoje em dia, procura experiências genuínas e diferenciadoras. Beja tem condições para vir a oferecer tudo isto. Apenas precisamos de uma estratégia a médio longo prazo e de gente qualificada para implementar essa estratégia.

Cultura

O busílis da controvérsia.

Considero que Beja pode e deve afirmar o seu próprio modelo cultural. A cultura é imprescindível para qualquer cidadão e Beja deve continuar a apostar na cultura juntamente com o movimento associativo.

Para além de apoiar ativamente as associações a realizarem as suas atividades culturais, a Autarquia pode promover as associações em todos ou na maioria dos seus eventos.

Nos últimos anos, realizaram-se em Beja imensos eventos ou certames, muitos dos quais julgo terem potencial e capacidade para se desenvolver e crescer. Mas antes de tudo há que pensar muito bem no custo/proveito.

É certo que muitos eventos realizados tiveram financiamento comunitário, mas o financiamento comunitário não existe pura e simplesmente para aplicar em eventos efémeros e cujo retorno ao Concelho é questionável.

A modelo de aplicação de fundos comunitários em festas e festivais relembra-me a velha história da Cigarra e da Formiga.

Importa decidir quais os principais eventos concentrando esforços para que esses se desenvolvam e contribuam também para o desenvolvimento local.

Na minha opinião, o Festival Beja Romana, deve ser repensado podendo ser melhorado em vários sentidos, tal como já aqui partilhei e sugeri ideias.

O Festival Beja na Rua é outro dos grandes eventos que na minha opinião pode e deve ser mantido, mas que necessita avaliação e revisão do seu modelo.

Penso que o Beja na Rua não deve viver de grandes artistas, que embora tragam a Beja imensas pessoas, estas desaparecem assim que terminam os espetáculos.

Há tantas artes que podem passar por Beja. Desde artes circenses de rua, desde teatro de rua, desde teatro de marionetas para os mais pequenos e até mesmo para os graúdos. O Beja na Rua tem potencial para de tornar um evento de referência como um Festival de Artes Performativas e de Rua, com focos de atividades espalhadas por toda a cidade e ainda abrangendo todas as Aldeias do Concelho.

O que não pode acontecer com o Beja na Rua nem tão pouco em outros eventos, são situações como no passado, em que imperava a “engenharia financeira” para subsidiar ou financiar terceiros. Veja-se a comparação na próxima imagem!

Basta analisar para perceber que algo de errado aconteceu a milhares de euros. Financiados ou não, é dinheiro público e este não pode servir para este tipo de operações.

Há um outro evento que decorre 6 meses após a Ovibeja ao qual reconheço grande potencial, mas sem a vertente do Salão do Cavalo. Falo da Rural Beja.

A minha análise é que a Rural Beja é um evento que tem pouco marketing e que acaba por prejudicar a afirmação de alguns dos outros eventos secundários que compõem o cartaz. Falo concretamente do caso da Vinipax.

A Vinipax já foi a atração principal entre os eventos, pois é um evento que possui mais marketing que a própria Rural Beja. Eu entendo a celebração do nosso mundo rural no formato de certame que reúna diversos eventos secundários, mas para os valores envolvidos e para o próprio potencial do certame, este modelo do meu ponto de vista pode e deve ser repensado.

Não defendo um modelo “Experiências a Sul” que foi levado a cabo durante o mandato de 2009 – 2013, mas com certeza pode ser encontrado um meio termo.

Independentemente do modelo a ser desenvolvido, vejo a necessidade da Vinipax ganhar novo folego e espaço pois o Vinho continua a ser um grande motor de afirmação e marketing.

O vinho, o cante, os petiscos, os nossos comeres, a nossa tradição e as crianças devem ser centrais neste grande evento, no entanto a Vinipax deve ganhar outro destaque.

Palavras Andarilhas e Festival de Contos do Mundo, outros dois excelentes exemplos de eventos que podem e devem crescer e abranger não só a Cidade mas também levar a cultura até às nossas Aldeias.

Há uma ideia que tenho e que partiu de algo que vi na televisão há algum tempo atrás. Vi e percebi que certamente seria algo que encaixaria no nosso Concelho. Numa reportagem, um grupo de teatro no Algarve, composto por 2 pessoas e uma carrinha – o qual não me recordo o nome, levavam uma peça de teatro e a alegria estampada nos seus rostos, pelas Aldeias perdidas do Algarve.

Porque não trabalhar com as companhias de teatro de Beja de forma a que estas desenvolvam peças de teatro para replicar em todas as nossas Aldeias? Não seriam preferíveis ações deste género a “oferecer” 100 mil euros à Fundação Serralves a troco de uma mão cheia de nada?

Desporto

Outro tema difícil. Durante a campanha, falava-se na construção, não de 1 mas 2 Pavilhões Multidesportivos. Um no bairro do Pelame, o qual já terá projeto e outro a ser projectado entre a Quinta del Rei e o Pelame.

Terá Beja necessidade de tantos Pavilhões?

Não acredito nem partilho dessa visão. Beja não precisa de 12 relvados sintéticos ou 12 pavilhões multidesportivos, um em cada freguesia.

Primeiro que tudo é preciso diálogo e entendimento. É preciso perceber que por cada equipamento que se cria, a despesa do município também cresce com custos de manutenção. E Beja não é um município em crescimento populacional ou com um crescimento atípico de jovens para tirar partido de todas estes equipamentos.

No meu entender Beja deve promover o mérito dos seus dirigentes associativos cujos Clubes ou Associações mostram credibilidade e capacidade de assumir compromissos. Há no nosso Concelho dirigentes que lideram projetos, que se empenham no seu dia a dia e que com quase nada vão conseguindo realizar um trabalho notável e que merecem todo o mérito. São esses projetos que devem merecer total prioridade. Esses projetos lembram-me o ditado popular “mais faz quem quer do que quem pode”!

Mas ainda deixo mais uma ideia. Beja tem um enorme Pavilhão coberto, que por estes dias é usado como picadeiro. Este Pavilhão, quando foi concebido, foi para ser um Multidesportivo, mas até hoje, continua a não apresentar as condições mínimas para a praticas desportivas. Porque não requalificar esse Pavilhão e dotar o mesmo de todas as condições mínimas para que possa ter uma utilização diária e não apenas de evento a evento?

Mas o desporto não são apenas as modalidades coletivas. Há muitos atletas de grande qualidade nos desportos individuais. Por isso Beja deve criar condições para o desenvolvimento das atividades e desportos individuais.

Porque é que Beja não tem uma prova referência a nível nacional, em BTT?

Promoção, Desenvolvimento e Coesão Territorial

Tanto ou quase tudo por fazer.

É inegável que Beja ao longo dos anos tem vindo a ser esquecida como Capital de Distrito e a perder a sua capacidade de influência.

Em ultima análise, a Autoestrada que deveria passar por Beja e fazer a ligação a Espanha ficou por Ferreira do Alentejo. E porquê? Porque Ferreira do Alentejo mostrou ser um município que não baixou a guarda, assumindo a luta por essa mesma Autoestrada. Mérito ou não, será no Concelho de Ferreira do Alentejo que a Autoestrada terá início (ou fim).

Beja deve reaprender a afirmar-se no Território. Beja não pode continuar a esconder de forma envergonhada o “nosso” Aeroporto como se um “filho bastardo” se tratasse. Tem que trabalhar para se afirmar com o Aeroporto.

Ponte de Sor, é um concelho do Alto Alentejo com pouco mais de 16 mil habitantes e tem um Aeródromo. A diferença entre Ponte de Sor e Beja é que Ponte de Sor com um Aeródromo, conseguiu a fixação de empresas que hoje garantem mais de 200 postos de trabalho. Um trabalho de grande mérito.

Como é que isso se faz? Através da promoção do equipamento em diversos certames e plataformas. Ou através da organização de um evento à escala internacional que traga ao local especialistas de todo o mundo. E foi isso que Ponte de Sor fez, ao permitir a organização do Portugal Air Summit. Uma grande manobra de afirmação territorial, para um município que apenas tem um aeródromo. Infelizmente, nem Beja, nem nenhum outro Município do Baixo Alentejo, nem a própria CIMBAL, marcaram presença nesse importante evento para promover o a Região ou o Aeroporto.

Em Beja, o nosso maior evento de afirmação e promoção territorial, é a Ovibeja. Acho que não há qualquer discussão possível. Mesmo não sendo da responsabilidade da Câmara Municipal de Beja é um motivo de orgulho para qualquer Bejense!

Urge repensar o modelo e defender onde e quando for necessário Beja. Qual é a posição do Município em relação às Acessibilidades? À Autoestrada e ao Comboio? Como espera o Município fazer diferente em relação ao Aeroporto e à sua promoção, sendo que todos sabemos que este equipamento necessita de ter boas acessibilidades para despertar todo o seu potencial?

Não menos importante, qual é a posição do Município sobre a desertificação? Como combater este inimigo das nossas Aldeias? Como o contrariar? Há ideias novas? Se as há, então Beja pode e tem condições para promover projetos piloto!

Ação do Município

“À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta”. Não haverá quem não conheça esta frase.

Acredito que esta frase traduz em grande parte as expectativas dos Bejenses em relação ao mandato que se vai iníciar muito em breve.

Não pode haver espaço para impunidade ou promiscuidades.

Talvez muitos não se recordem do caso de impunidade perante os “três funcionários da Câmara de Beja acusados do crime de peculato de uso”. Caso este que foi encerrado pelo atual executivo, segundo este por considerar o caso como “despesas desnecessárias” para a Autarquia. E assim ficámos. Um crime sem culpados. Um crime com cumplicidade do atual executivo.

Três funcionários da Câmara de Beja acusados do crime de peculato de uso. (clicar na imagem para consultar notícia)

Todos os cargos acarretam responsabilidades e todos os responsáveis devem responder pelas suas ações. Não pode haver lugar a protecionismo nem clientelismo político.

Para finalizar, outra situação de grande incómodo, são as constantes nomeações de familiares para cargos os quais não estão capacitados para desempenhar. Situações que levam a um definhar das estruturas para onde estes são nomeados.

Beja precisa de promover a meritocracia e colocar um ponto final da cultura da mediocridade!

Inovação e Juventude

A Juventude e a Inovação são dois eixos estratégicos que devem marcar presença nos lugares cimeiros da lista de preocupações de todos os autarcas.

Não conheço nenhum Concelho que se afirme sem inovação ou sem Juventude.

Com as atuais dificuldades em termos de acessibilidades, a Autarquia e o Instituto Politécnico deveriam fazer um esforço conjunto para que Beja se tornasse num Pólo Tecnológico atrativo para empresas ligadas às novas tecnologias. A localização para grande parte deste tecido empresarial, não é uma prioridade. São empresas que trabalham via internet a partir de qualquer lugar.

Sou da opinião que Beja deve marcar presença no certame mais importante dos últimos tempos, na área das novas tecnologias – o Web Summit em Lisboa.

Tenho conhecimento que o Instituto Politécnico de Beja tem lidera alguns projetos de grande interesse, na área das IT’s, mas Beja deveria ir mais longe e mostrar que tem a ambição de criar um espaço destinado a Startups de IT’s. Beja e o Instituto Politécnico só teriam a ganhar.

Partilho da visão que o futuro vai passar em grande parte pelo digital e pelo “know how” na área das IT’s. Beja podia desenvolver uma de academia de código, aberta a jovens para ocupação de tempos livres e até mesmo como medida de combate à exclusão social.

Hoje em dia, centenas de programadores em Silicon Valley são jovens que desenvolveram os seus conhecimentos em programas do género em bairros de lata (slums) da periferia das grandes cidades da Índia.

É por demais evidente que só isto não basta. É necessário criar condições favoráveis para que a Cidade e as Aldeias beneficiem a fixação dos Jovens. A revitalização do Centro Histórico pode passar pela requalificação e conversão de alguns prédios urbanos em tipologias T1 e T2 de forma a oferecer um programa de rendas acessíveis orientado para jovens.

Este é um longo ensaio onde procurei sintetizar e sistematizar um conjunto de eixos que traduzem as principais expectativas de Beja e dos Bejenses.

Saiba o próximo executivo gerir as expetativas de Beja e dos Bejenses e certamente terá a possibilidade de dar continuidade ao seu projeto no final do próximo mandato.

 

Post Scriptum: Entretanto encontrei a reportagem sobre o Teatro Itinerante que levou Cultura às Aldeias do Algarve. Deixo aqui para quem quiser conhecer o projeto.

Clicar na imagem para ver a reportagem

Autor(a): Luís Palminha

Humanista, Criativo, apaixonado pela 7ª Arte, Fotografia e Arquitectura, é também entusiasta das IT’s. Durante a Licenciatura em Arquitectura de Gestão Urbanística, encontrou nas Cidades e no Território, um novo ímpeto guiado pelo constante desafio de mudanças de paradigmas.
(De momento encontra-se a concluir a Tese de Mestrado em Urbanismo)

2 pensamentos sobre “Beja e as expectativas dos Bejenses – 2ª parte

  1. Olá Luís

    Achei o Blog no Blog do Espinho. Em boa hora.
    Comecei com curiosidade, acabei por ler todos os artigos com interesse.
    É bom ver um genuíno interesse pela nossa cidade, mas gostei mais ainda quando me identifico com as ideias, a visão, os projectos.
    Parecia que estava a ouvir-me a pensar, quando falas na importância do IPB, de um plano estratégico a longo prazo, do turismo, da atractividade para o investimento, etc
    Se é que posso partilhar algo contigo, é a sensação de que não temos feito o suficiente.
    Não podemos desprezar a importância da politica no passado e futuro da cidade.
    Acho que temos deixado a nossa sorte demasiado entregue a quem nos representa pela via do voto.
    É por demais evidente a contaminação dos partidos locais pela politica nacional, vê-se nos discursos, comentários e discussões.
    Infelizmente ainda não houve um partido capaz de partir a loiça e colocar os interesses da cidade à frente dos do partido.
    Vai-se iniciar um novo ciclo e estou com alguma esperança que algo do género possa acontecer.
    Que haja coragem para reclamar para Beja a atenção que uma capital de distrito merece.
    Se tal não acontecer só vejo uma solução, a mesma que está a acontecer em muitos municípios, os cidadãos mandarem os partidos para as urtigas e com verdadeiro interesse cívico criarem movimentos que os representem.
    Parabéns pelo Blog. Cumprimentos,
    Fonseca

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